domingo, 15 de dezembro de 2013

O que estou lendo, por Vanessa Regina

imagem: acervo pessoal
 Trecho do conto "O caminho mais fácil é cheio de pedras":

         "O que você quer que eu faça?",  diz ele. "O que devo fazer?"
         Minha prima fica na ponta dos pés e se põe a beijar Dovid Frankel. Ele parece surpreso, mas não se afasta. O livro cai da mão dela. Apanho-o discretamente, abro a porta da tela e desço para o quintal dos Perelman. Avanço pela relva em direção à beira da água e tiro os sapatos e as meias. A água está mais quente que o ar, a superfície imóvel. Dou um passo para dentro da água, depois outro. Estou sozinha. Tiro minha blusa de manga comprida e sinto o ar da noite em minha pele nua. Em seguida tiro a saia. Jogo as roupas na margem, em cima da grama. Ainda segurando o livro, vou entrando na água, sentindo-a em todas as partes de meu corpo, quente como uma boca que me suga delicadamente. Quando o fundo arenoso me falta sob os pés, fico boiando de costas, contemplando o céu salpicado de estrelas, a densa névoa da Via Láctea. A lua estende seu fino manto branco sobre meus membros. Em minha mão o livro pesa, encharcado, e eu o deixo cair em direção ao fundo.


[Julie Orringer. Companhia das Letras, 2007, p.139-140]

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