quarta-feira, 29 de julho de 2015

Comentário livresco: Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, de Clarice Lispector



Editora Rocco, 1998

E pelo mesmo fato de se haver visto ao espelho, sentiu como sua condição era pequena porque um corpo é menor que o pensamento – a ponto que seria inútil ter mais liberdade: sua condição pequena não a deixaria fazer uso da liberdade. Enquanto a condição do Universo era tão grande que não se chamava de condição. A condição humana de Ulisses era maior que a dela que, no entanto, tinha um cotidiano rico. Mas seu descompasso com o mundo chegava a ser cômico de tão grande: não conseguira acertar o passo com as coisas ao seu redor. Já tentara se por a par do mundo e tronara-se apenas engraçado: uma das pernas sempre curta demais. (O paradoxo é que deveria aceitar de bom grado essa condição de manca, porque também isto fazia parte de sua condição.) (Só quando queria nadar certo com o mundo é que estraçalhava e se espantava.) E de repente sorriu para si própria com um sorriso amargo, mas que não era mau porque também ele era de sua condição. (Lóri se cansava muito porque ela não parava de ser.) p. 20
 
 
                                                        ***
 
A palavra AMOR: Lóri me espeta com as agulhas de sua tessitura: “Quem sou eu”? Não se sabe... Corra, Lori, corra! Fuja do mundo, de Ulisses, mas não fuja de si. Clarice, de antemão, avisa-nos: “Este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar”. Entendo. Há algo aqui que não cabe em lugar algum. Uma ponta de dor ou uma alegria irreprimível: um mundo de epifanias, sobressaltos, um estar sendo e não saber que se é. Lóri que ensina, também quer aprender. Ulisses vai na esteira desta descoberta; tão longa e dolorosa. Mas ambos compreendem que viver é sofrimento. E sofrem; delegam ao mundo a sua natureza sensível e solitária. Mas afinal, sobre o que nos fala Clarice? Fala-nos sobre estes corpos ambulantes que somos, mas que descobrem, por meio da dor ou do amor, a alegria de estarem vivos. Fala-nos da nossa condição desajeitada para com o mundo, de um rasgo no peito, de uma precariedade sem fim. Sei que este livro me moveu para algum lugar, talvez não muito distante, da minha “vida a vida”. Sei também que cabem reflexões mais profundas acerca de um texto tão denso e poético, mas me limito a sentir. Eu só queria dizer. E disse.

 

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